Entre a razão e o coração
Assisti
no recente sábado à passagem dum grupo considerável de romeiros pelas ruas da
nossa ilha, que desde há uma década, em cada ano, vêm engrossando nas suas
fileiras um maior número de homens, crianças ou jovens.
Desconhecendo-se
ao certo as suas raízes, em
S. Miguel , a origem dessas peregrinações quaresmais remonta
ao séc. XVII, relacionando-se a motivação delas, como uma consequência da crise
de violentos terramotos que arruinou Vila Franca do Campo e parte da Ribeira
Grande e que despertou a necessidade humana de se imporem penitências e
sacrifícios. Então, grupos de homens caminhavam por período de tempo necessário
para percorrer aquela ilha, sujeitos a intempéries, abrigando-se onde lhes
davam tecto e algo para comer, deixando a família, o seu ganha pão, e o
conforto da casa, para suplicarem bênções divinas de clemência à Virgem Maria.
Consta que, com altos e baixos em diversas épocas, essa tradição naquela ilha
nunca se interrompeu até aos dias de hoje, onde nomeadamente estão organizados
em associações em várias localidades que congregam os seus militantes,
informados por princípios de fraternidade, amizade e confraternização.
Mesmo
assim, fico perplexa no porquê da criação e da natureza desse grupo aqui na
Graciosa, descontextuado no tempo e no lugar, e particularmente do porquê excluírem
do seu seio, a participação feminina, num apartheid de género, que julgo não
fazer sentido nos dias que correm. Acreditando na veracidade da entrega nessas
acções dos seus participantes e sem pretender ferir inúteis susceptibilidades
na matéria, acentuo não compreender a exclusão feminina, se é verdade que as
mulheres têm irrefutáveis provas dadas na participação efectiva na vida
comunitária e serem portadoras de um elevado sentido de solidariedade e
espiritualidade.
Questões
inocentes, não deixam de ser questões!
Com
esta objecção, reforço, não ser meu propósito desmerecer nas convicções e
veracidade das atitudes de cada um, mas antes o gosto de partilhar a reflexão
como um direito e um dever cívico, bem a propósito na data que amanhã se
assinala.
Decorridos
mais de cem anos sobre o móbil da criação dum dia internacional da mulher, as
modas ditaram um figurino mais mercantilizado para referenciar a problemática
que atinge as mulheres no mundo em geral, sendo certo que no Ocidente, e pelo
menos, no plano dos princípios, às mulheres são reconhecidos direitos, a
igualdade de oportunidades, seja no acesso à vida pública, à visibilidade e
valia nas funções profissionais, seja no exercício da vida política, onde por
vezes até atingem o plano mais elevado nas hierarquias.
Ainda
assim, são evidentes muitas desigualdades ao nível das mentalidades que importa
ultrapassar a bem da dignidade do ser humano, já que a mulher representa 52% da
população mundial, ou como já foi chamado, “a
metade do céu”.
Santa
Cruz da Graciosa, 7 de Março de 2012
Maria
das Mercês Coelho