Numa
estranha normalidade, vamos assistindo à louca correria de tudo quanto é
comissário político ou candidato a tal, para que na rodada seguinte haja cadeira
onde sentar o seu magnífico contributo para a continuação de um regime que
serve o poder de um partido.
Uns
mais velhacos, outros mais efusivos, mas sempre a mesma preocupação sobre quem
vai para onde, servir o quê, em nome de qual facção! Sempre com o pressuposto
de que o Estado Regional é uma coutada só para sócios e simpatizantes e de que
há uma fórmula de ganhar eleições em que de 4 em 4 anos se mostra serviço e se
procura angariar votos à custa das necessidades que identificam em sectores
mais vulneráveis da população.
Depois
bradam, ufanos, que o seu governo é bom, que eles próprios são o espelho dessa
suposta bondade e que milhares de milhões de euros e 20 anos depois, estão
confiantes de que é por apagarem fogos de descontentamento que tudo se vai
repetir. Porque as pessoas continuam agradecidas desta ou daquela oferta de
ajuda para uns melhoramentos em casa, ou qualquer outra benesse lembrada como
cobrança, mesmo que indevida.
Esquecem,
porém, que em vez de mais um quarto ou mais um espaço habitado numa casa de uma
ilha pequena, há mais um quarto vazio de quem foi em busca de um futuro que lhe
foi negado na sua terra.
Esta
velha receita eleitoral de constante recurso aos meios públicos para satisfação
dos interesses partidários, em que os nomeados políticos integram as
candidaturas do partido da posição e que enquanto poder deveriam assegurar a
isenção dos serviços da administração mas muitos, como diligentes comissários
políticos, dividem o seu tempo entre explicar o método para obter um apoio e a
necessidade de votar em outubro na lista de que fazem parte.
A par
de uma doutrina de que a manutenção do poder se faz de uma rotina quadrienal de
resposta efémera a necessidades permanentes, há que juntar o medo ao cardápio
de tácticas de conquista do voto. O medo é uma constante na política açoriana,
e isso, estranhamente, é também encarado com alguma naturalidade.
Há medo
de não ver despachado um subsídio de um projecto, há medo de perder estatuto no
serviço que se desempenha perante um chefe caciquista, há o medo de ser
ultrapassado na promessa de um trabalho para um filho que acabou ou está a
acabar uma formação, há o medo de que o poder, de alguma forma, atrapalhe a
vida das pessoas, mande embora quem não colabora com ele ou, simplesmente, de
ser apagado da listagem de cidadãos com direitos apenas porque o podem fazer. E
mesmo que isto não possa ser prática executada, porque seria sancionada, o medo
está lá, a cultura do medo assume esse reflexo de ideias feitas com base num
pressuposto: - se não estás com eles, estás contra eles!
Entre o
medo e o desejo de não desagradar ao poder nem pela recusa de uma oferta nem
pela simples cobiça alimentada pelo período eleitoral em curso, a naturalidade
com que se vive esta relação entre eleitos e eleitores atingiu escalas só
possíveis porque a receita do aliciamento ao voto em troca da ausência do medo
de represálias beneficiava da falta de informação e de um certo sentimento de
gratidão, como se de uma excepção se tratasse, ou de um favor que se ficava a
dever.
Agora
já não é bem assim. Agora existe maior dificuldade em encontrar quem esteja
vulnerável ao aliciamento e ao medo, pois as pessoas têm já a experiência de 20
anos de promessas de dias melhores e aquilo a que assistem é, cada vez, a dias
piores. E mesmo servidas de uma coisa de que necessitavam, sabem que o seu
futuro só melhora com outras soluções.