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Rádio Graciosa


22 fevereiro 2012

Espaço de Opinião Intitulado “ Sacudir a Sonolência do Entrudo ” é da Responsabilidade de Maria das Mercês Coelho


Sacudir a sonolência do Entrudo

A ilha voltou ao silêncio em terça feira de Carnaval numa surdez ou na quietude dos movimentos feitos ao ritmo de recolhimento de outros tempos e sem frenesim. O comércio descansou de portas fechadas, a Câmara Municipal e o Governo Regional deram tolerância de ponto aos funcionários, ficando só os Serviços da administração directa ou indirecta do Estado, a cumprir horário, já que os utentes fizeram greve de zelo pedindo meças à intolerância dum país a duas velocidades.
O que aqui quero convocar não é esse protesto pela inócua medida do Primeiro Ministro, pois nem o tempo nem a oportunidade o justifica. Águas passadas e queixas desinteressantes.

Voltamos às rotinas quotidianas após as intensas vivências de Carnaval, de que, é sabido, uma larga faixa de graciosenses se deixa contagiar com entusiasmo e porventura com alguns excessos, de que o abuso do álcool é uma preocupante realidade.
Analisando, verificamos que nas semanas anteriores, com a dinâmica das quatro quintas feira, o comércio da restauração teve a sua quota parte de proveitos. Depois, a escola saiu à rua com os diversos escalões etários, desfilando trajes temáticos, ensaiando pedagogicamente uma crítica mordaz ao momento actual. Ao mesmo tempo, azafamavam-se agulhas para construir as diversas fantasias, as mais ao menos improvisadas para bailes trapalhões, e as dos clubes dos derradeiros dias da semana “gorda”, enquanto na rectaguarda, divertindo-se, mas esforçadamente, outros tantos organizavam os espaços, e toda a acção indispensável para a beleza ou o conforto da festa.
Não é possível quantificar o número invisível de pessoas envolvidas nestes preparativos. Certo é que, sem valor de mercado, nem hierarquias impostas, há uma organização transversal nos clubes, que funciona bem, de forma desinteressada e gratuita, a quem saúdo.

Há já quem questione da possibilidade de tornar esta época num evento/ espectáculo de valor acrescido, trazendo visitas que alavanquem um benefício económico para a ilha.
Tenho muitas reservas quanto a esse resultado, seja porque considero que o momento é de um divertimento natural e espontâneo vivenciado na sua pureza e com uma certa ingenuidade de raiz, que se deve preservar, seja porque desacredite nos benefícios de uma organização exterior e lucrativa para alguns, em prejuízo da maioria da população.
Algumas questões se colocam: como conciliar o gozo da festa com a necessidade de oferecer serviços?
Como interagir os profissionais com o trabalho de voluntariado existente nos clubes? Como integrar grupos de pessoas em salas onde outras ocupam os espaços sem lugares marcados nem bilhetes de entrada?
Sejamos claros. A Graciosa sempre se orgulhou de receber bem, facilitar a integração e de ser permeável às mudanças. Exemplo disso é o registo no nosso folclore das chamadas “modas novas”, trazidas na década de 30 por um juiz, Dr. Luís Lereno, que com sua mulher e irmã divulgaram modas do Continente que se cadenciaram à nossa dolência.

Na vida tudo evolui. Sem gozar de aprovação unânime, o desfile das fantasias fora dos salões e num pavilhão, que começou com uma associação promotora desse evento e que o Município na falta desta continuou, é uma realidade que se instalou com sucesso.
Todavia mexer em algo que é legítimo e intimista, imprimindo um cunho comercial, pode ser até demolidor. Veja-se o resultado da pretensa profissionalização do futebol que tantos dissabores têm causado aos clubes.
As transformações recentes estão à vista de todos, mas não se fazem por “decreto”. São progressivas e vão-se interiorizando na população sem crispação nem pressões.

Graciosa, 22 de Fevereiro de 2012

Maria das Mercês Coelho

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