Sacudir a sonolência do Entrudo
A
ilha voltou ao silêncio em terça feira de Carnaval numa surdez ou na quietude
dos movimentos feitos ao ritmo de recolhimento de outros tempos e sem frenesim.
O comércio descansou de portas fechadas, a Câmara Municipal e o Governo
Regional deram tolerância de ponto aos funcionários, ficando só os Serviços da
administração directa ou indirecta do Estado, a cumprir horário, já que os
utentes fizeram greve de zelo pedindo meças à intolerância dum país a duas
velocidades.
O
que aqui quero convocar não é esse protesto pela inócua medida do Primeiro
Ministro, pois nem o tempo nem a oportunidade o justifica. Águas passadas e queixas
desinteressantes.
Voltamos
às rotinas quotidianas após as intensas vivências de Carnaval, de que, é
sabido, uma larga faixa de graciosenses se deixa contagiar com entusiasmo e
porventura com alguns excessos, de que o abuso do álcool é uma preocupante realidade.
Analisando,
verificamos que nas semanas anteriores, com a dinâmica das quatro quintas
feira, o comércio da restauração teve a sua quota parte de proveitos. Depois, a
escola saiu à rua com os diversos escalões etários, desfilando trajes temáticos,
ensaiando pedagogicamente uma crítica mordaz ao momento actual. Ao mesmo tempo,
azafamavam-se agulhas para construir as diversas fantasias, as mais ao menos
improvisadas para bailes trapalhões, e as dos clubes dos derradeiros dias da
semana “gorda”, enquanto na rectaguarda, divertindo-se, mas esforçadamente,
outros tantos organizavam os espaços, e toda a acção indispensável para a beleza
ou o conforto da festa.
Não
é possível quantificar o número invisível de pessoas envolvidas nestes
preparativos. Certo é que, sem valor de mercado, nem hierarquias impostas, há
uma organização transversal nos clubes, que funciona bem, de forma
desinteressada e gratuita, a quem saúdo.
Há
já quem questione da possibilidade de tornar esta época num evento/ espectáculo
de valor acrescido, trazendo visitas que alavanquem um benefício económico para
a ilha.
Tenho
muitas reservas quanto a esse resultado, seja porque considero que o momento é
de um divertimento natural e espontâneo vivenciado na sua pureza e com uma
certa ingenuidade de raiz, que se deve preservar, seja porque desacredite nos
benefícios de uma organização exterior e lucrativa para alguns, em prejuízo da maioria
da população.
Algumas
questões se colocam: como conciliar o gozo da festa com a necessidade de
oferecer serviços?
Como
interagir os profissionais com o trabalho de voluntariado existente nos clubes?
Como integrar grupos de pessoas em salas onde outras ocupam os espaços sem lugares
marcados nem bilhetes de entrada?
Sejamos
claros. A Graciosa sempre se orgulhou de receber bem, facilitar a integração e
de ser permeável às mudanças. Exemplo disso é o registo no nosso folclore das
chamadas “modas novas”, trazidas na década de 30 por um juiz, Dr. Luís Lereno, que
com sua mulher e irmã divulgaram modas do Continente que se cadenciaram à nossa
dolência.
Na
vida tudo evolui. Sem gozar de aprovação unânime, o desfile das fantasias fora
dos salões e num pavilhão, que começou com uma associação promotora desse
evento e que o Município na falta desta continuou, é uma realidade que se
instalou com sucesso.
Todavia
mexer em algo que é legítimo e intimista, imprimindo um cunho comercial, pode
ser até demolidor. Veja-se o resultado da pretensa profissionalização do
futebol que tantos dissabores têm causado aos clubes.
As
transformações recentes estão à vista de todos, mas não se fazem por “decreto”.
São progressivas e vão-se interiorizando na população sem crispação nem pressões.
Graciosa,
22 de Fevereiro de 2012
Maria
das Mercês Coelho