Divagações sobre o Carnaval na Graciosa
Nos
dias de hoje a globalização e a sociedade de informação fizeram-nos cidadãos do
mundo.
Segue
no pelotão da frente da imagética da época, o Carnaval do Brasil, particularmente
vistoso com os desfiles das escolas de samba, cujo clima quente, potencia o
culto do corpo, onde esculturais mulheres se exibem a olhares cobiçosos, a que
se segue um cortejo dançante, repleto de plumas e de exuberantes adereços e
carros alegóricos dançando ao ritmo do samba, qual “hino” da festa.
Por
outros países e noutras culturas e épocas, o Carnaval foi evoluindo até ao
figurino actual onde a cor e o exagero são permitidos.
Terá
uma forte componente comercial, mas é também o resultado duma empenhada
envolvência humana.
A
ilha copia, à dimensão dos seus meios, os hábitos e as folias que o mundo foi
conseguindo transformar, adaptando-se a uma época em que os excessos e a
alegria são o prato forte da libertação dum quotidiano comum. Porventura, de realizações
contidas, de mágoas sofridas, ou de expectativas por cumprir. Ou nem uma coisa
nem outra. Procura-se tão só, assumir um tempo de pura imaginação, de brincar
teatralizando, pretexto de fantasiar a vida e meter na pele outras culturas ou
outros trajes, que nos são distantes, mas nos despertam a curiosidade.
O
Carnaval da Graciosa é uma festa animada, intimista e muito nossa, porque
convoca a maioria da sua população para os convívios nos clubes, que abrem
portas com bailes animados por música ao vivo, onde se cruzam gerações de novos
e velhos, envolvidos pelo mesmo sentimento de desprendimento das rotinas da
vida.
Sem
me deter em raízes históricas de maior aprofundamento, e menos ainda, nas
sequelas psicológicas num tempo socialmente fechado, trago na memória as minhas
vivências e mais aquelas que me foram narradas.
As
nossas festividades fazem-se e faziam-se dentro de salões - fosse porque o
Inverno marcava presença com temporais e ventanias, fosse porque o recato
social a isso obrigava. Algumas casas abriam-se a convidados em “assaltos” onde
se brindavam amigos, mas também se recebiam os “mascarados” de caras cobertas,
sob a responsabilidade de algum elemento que exibia as faces e se
responsabilizava pelo grupo. Depois foram as colectividades nas suas sedes, com
alguma precariedade de meios, e de conforto muito longe do actual, que tomaram
a iniciativa e se esmeravam por oferecer o melhor propiciando encontros.
Hoje
os meios são diferentes e o comércio estimula a transformação, nos trajes, nas
decorações e em tudo o que é exterior.
Mudou
a alma? Mudou o nosso interior?
No
essencial, julgo que não. A comunidade participa e diverte-se, simultaneamente
espectadora e actora. E convive envolvendo-se, quase à própria exaustão.
José
Berto em 2007 ofereceu-nos um poema, que espalhou pelas mesas dos cafés, de que
leio expressivo um excerto do significado da festa:
Ilha aberta
Recebe a brincar
No pulo desperta
Ondas de mar.
Fantasias
Cores da Ilha
Apitos a desafinar
Pernas que voam
Pés de batuque
Papel picado
Fitas desenroladas.
Fantasias,
que logo acabam e a vida gira, rolando. Cumprido o Carnaval, os convívios
perduram, porque são o resultado da nossa dimensão de pouca terra, pouca gente.
O
futuro dirá que Carnaval nos espera, mas com ou sem o feriado da 3ª feira, é
ainda genuína e nossa a festa.
Graciosa,
17 de Fevereiro de 2012
Maria
das Mercês Coelho