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Rádio Graciosa


10 agosto 2011

Artigo de Opinião de Mercês Coelho intitulado “A festa maior”.

A festa maior



Numa visão crepuscular da história da Ilha é possível encontrar fortes indícios do espírito temente a Deus dos seus habitantes, mas já não o de saber com exactidão os contornos das devoções que atravessaram os séculos, nas quais se inclui o culto do Senhor dos Milagres.

Reza a história que, por meados de Agosto de 1654, o insigne Padre António Vieira e os 40 companheiros de viagem, que com ele naufragaram, foram tomados por um navio pirata holandês, que os desembarcou com a roupa que traziam no corpo, no porto da baía da Barra desta Vila.

Foi na Igreja de Santo Cristo da Santa Casa da Misericórdia, que ao tempo celebrou, dando graças por ter sobrevivido, justificando o graciosense Dr. Vital Cordeiro Dias Pereira, ser o facto decorrente da “devoção que pessoalmente lhe tinham e também pela que lhes manifestaram os graciosenses”. Se Vieira rezou perante o Cristo crucificado, que é imagem de referência nas Igrejas das Misericórdias, ou se o fez perante aquela outra imagem antiga, património da Santa Casa, mas cuja data não se conhece, é tarefa para estudiosos especialistas, que merecia ser feita para colocar em devido destaque o que é nosso património.



Não é preciso ir longe nos fundamentos sócio culturais, para saber que as festividades religiosas e as profanas se fundem numa cumplicidade nem sempre pacífica, mas que se acerta num compromisso de interesses, que satisfaz ambas as vertentes da condição humana.



Assim é que, desde 1979 a Câmara Municipal, chamou a si a festa profana, tornando-a festividade com dimensão municipal, aproveitando o evento que até então era da realização da Santa Casa da Misericórdia, que actualmente cumpre o protagonismo nos rituais religiosos.

É já nos finais dos anos 90 que é transferido o feriado municipal do Concelho, do dia de S. João, para a 2ª feira após o domingo da festa, e esta ampliou-se para o período duma semana, preenchida com diversos acontecimentos na área de exposições e espectáculos diversificados. Coincidindo o dia maior das festividades no segundo domingo de Agosto, a data já fora transferido do mês de Setembro por finais da década de 50, como pouco antes viera do largo da Misericórdia, em frente à Igreja, para a praça do rossio da Vila.



A “globalização” vai trazendo ventos que moldam o nosso a figurinos de outras realizações, como aconteceu a partir de 1966, com a festa brava que faz gala em exibir cartaz com duas corridas, e que suscita grande entusiasmo e uma muito expressiva adesão popular, num gosto claramente importado da vizinha ilha Terceira.

Hoje, as iluminações imprimem uma grandiosidade plástica que convoca à festa, vendo-se o seu efeito no exterior das igrejas e pelo centro da Vila. Afirmam-se as realizações desportivas de mar ou de terra, na proporção da sua pujança do momento, e bem assim os concertos musicais, que são um evento de oferta larga trazendo nomes grandes do espectáculo.

Dotada especialmente para a música, a Ilha que tem quatro filarmónicas, correspondendo uma a cada freguesia, tem ainda a capacidade para acolher outras que vêm especialmente para o efeito, fortalecendo os intercâmbios e respondendo ao gosto muito popular, presente desde o início do povoamento.

O fecho das festas resgata o gosto pelos fogos, com os foguetes a estalejar, e o fogo de artifício, que ganhou, fruto da adaptação às novas tecnologias, uma maior dimensão de beleza, mau grado os avultados dispêndios em tão escassos minutos.



Pedra basilar é a festa dirigida à população num compromisso entre o possível e o desejável, feito à nossa dimensão de ilha pequena, magra de gentes e de recursos.

A Ilha Graciosa celebra a sua festa recebendo e partilhando, mas a mobilidade trás gente e leva-nos a outros espaços abertos, podendo dizer-se que os encantamentos em quantidade e qualidade, estão na exacta proporção com que a humanidade os valoriza. São fugazes e perecíveis, como são as contingências da nossa humana fragilidade.

Se o melhor da festa é esperar por ela, é o tempo de desejar umas festas felizes ou divertidas, que tenham a virtude de contagiar os nossos afectos.



Graciosa, 10 de Agosto de 2011

Maria das Mercês Coelho





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