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Rádio Graciosa


25 maio 2011

Artigo de Opinião de Mercês Coelho intitulado “O profano e o divino”.

O profano e o divino


No cerimonial das nossas vidas correntes a interligação do profano ao divino, sempre se ajustou nas práticas, nas atitudes ou nas devoções.

Assim é que desde o domingo de Páscoa e durante as sete semanas que se lhe seguem, pelas Ilhas, a que não escapa a nossa, o envolvimento no culto do Divino Espírito Santo se evidenciar convocando as populações constituídas por devotos, suas famílias, mais ou menos militantes nas crenças da espiritualidade, para os rituais duma festa, que desde os tempos iniciáticos se mantém viva na autenticidade, temperada por ventos decorrentes da natural evolução dos costumes, que alimentam a variedade e as contradições.

No passado sábado, a Escola Básica e Secundária da Graciosa, chamou a si a realização da festividade, como objectivo integrado no plano curricular, assente na reunião da cultura com a vertente material, presentes no ser humano. No processo educativo compreende-se o escrúpulo manifestado na preocupação de reunir uma representatividade alargada, quer na sua variedade quer na diversidade geográfica das irmandades, que colaboraram na dinâmica e lhe emprestaram rigor e generosidade.

No resultado final, foi bonito ver a coroação realizada na Igreja Matriz, que se encheu de participantes e se coloriu com a presença das bandeiras vermelhas dos Impérios e das 21 coroas de prata com que foram coroados meninas e meninos da Escola, que por escassa fracção temporal, foram “imperadores de um Império, em que ninguém impere”.

Esta coroação solenemente desfilou em procissão através das ruas da Vila, acompanhada por Filarmónica e Foliões, até às instalações da Escola, aonde se seguiu um almoço de confraternização significante da partilha dos bens terrenos, através do ritual comunitário, no qual todos se distribuem pelas mesas, de forma igualitária e equitativa.

As origens da devoção em Portugal, apontam como certa a raiz numa heresia dos denominados Espiritualistas, à hegemonia do poder papal de Roma, que se arvorava como centralizador, reacção que foi protagonizada pela nobreza e pelo monarca reinante, D. Dinis, muito por iniciativa de sua mulher, a Rainha Santa Isabel. As ideias veiculadas de um culto, vincadamente laico, obtiveram uma larga participação das classes populares, e nele assentou a afirmação duma filosofia nacionalista, conseguida através dum diálogo entre a humanidade e a natureza, como princípios sãos e simples, inerentes à vida.

Ora estes ideais, foram transportadas pelos frades franciscanos que vieram com os povoadores e se fixaram nas ilhas, onde exerceram um papel decisivo na criação de conventos e hospitais ( estes que mais tardes foram absorvidos pela criação de outras confrarias com objectivos congéneres, e que são as Misericórdias).

Mas o culto do Espírito Santo, que se perdeu no Continente, não esmoreceu nas ilhas atlânticas, nem nas vestes espirituais, pois até se impôs perante a Igreja católica, como ainda manteve as tradições mais puristas, afirmando-se dinâmico e com rituais diferentes nas localidades e ilhas.

A coroa de prata, réplica das coroas reais, encimada por uma esfera aonde assenta uma cruz ou fica pousada uma pomba, representando Pentecostes, passou a objecto de culto, venerado pela oração, depositado em altar. A simbologia da coroação na criança, como aqui se mantém como regra, vestida de branco, reporta a inocência e a pureza como valores a preservar e ainda salienta como expressivos os elementos essenciais desta fase do crescimento, onde a liberdade, a criatividade e o sonho, bem como a espontaneidade, se afirmam em contradição às convenções sociais, na qual o adulto se conforma pela necessidade do trabalho ou do cálculo pela sobrevivência.

Praticado em diversas comunidades lusófonas, num mundo sem fronteiras, o culto do Espírito Santo encarna princípios de fraternidade, como disse o filósofo Agostinho da Silva “ uma produção que amor exija, e não trabalho, e vá a cada um segundo o que queira, e não segundo o que possa”



Santa Cruz da Graciosa, 25 de Maio de 2011

Maria das Mercês Coelho





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