Traduzir

Rádio Graciosa


26 janeiro 2011

O insustentável poder da abstenção

Ocorreram as eleições presidenciais, antecedidas dum período de pré e de campanha razoável, que durou o tempo regulamentar, de forma a evidenciar o perfil desejado para o cargo, de entre os vários candidatos que se apresentaram ao nosso julgamento cívico. A tudo assistimos como quisemos, através dos palcos visuais ou auditivos da comunicação social. Foram os debates, ou os tempos de antena atribuídos aos candidatos, ou as análises de comentadores e líderes de opinião, contribuindo com reflexões, as quais nos convenceram ou nos suspenderam as decisões.

Na ilha, o silêncio do mar ou de vento falou mais alto.
Apenas vi um outdoor dum candidato, sem querer afirmar que fosse o exclusivo. Não andei a tirar provas disso, nem me movia nenhum interesse a acautelar um equilíbrio. Ou sequer pensei que isso pudesse fazer alguma significativa diferença na decisão dos nossos eleitores. Facto é que nem houve campanhas de proximidade que despertassem o convencimento popular, nem os brindes pré eleitorais. Tudo correu com serenidade, por conta da consciência cívica de quase quatro décadas de democracia.
Achei sensata a pacatez, em época de reduzir ao mínimo o que é excessivo, já que longe está o tempo em que se recrutava gente que desenvolvesse campanhas só por generosidade.
Campanha cumprida, Presidente Cavaco Silva eleito – sem lhe retirar mérito, sobressai a tolerância na continuidade - sem surpresas, nem ressentimentos, mas também sem entusiasmos, já que a tradição de outras eleições congéneres, apontava para que vingasse o Presidente recandidato. E no entanto senti que fez falta o pulsar do coração, alguma coisa que nos emocionasse e nos motivasse mais, no exercício desse dever.
Preocupação de alto risco numa democracia cimentada, é o factor da preponderância da abstenção nacional que ultrapassou o patamar do razoável, ao ponto de ser maior do que a percentagem que elegeu o Presidente.
Os analistas tirarão disso o real significado: se foi desencanto, decorrente do factor da crise económica nos deixar mais deprimidos com as dificuldades presentes ou com as da geração seguinte onde cabem os nossos filhos, se indecisão, ou se de outros factores, a que poderá não ser alheia a descrença na família política em que cada qual se sente mais ligado.
Sou dum tempo em que o direito de voto não era conferido às mulheres e do significado que teve para a generalidade das pessoas, depois dum regime de partido único. Por isso, o entendo como uma conquista e um direito, que exerço sempre que posso, rejeitando, por princípio, a obrigatoriedade do voto.
Desgosta-me em consequência, a avassaladora abstenção que nos Açores atingiu os 68,9%, reconhecendo também que entre os factores justificativos para a elevada taxa, que na nossa ilha se cifra aproximadamente em 2/3, poder ser o do sistema eleitoral padecer de fragilidades, nomeadamente a desactualização dos eleitores inscritos e o de não estar alinhado com a vida quotidiana, em que a mobilidade das pessoas é um factor comum.
Na era da informática talvez fosse desejável avançarmos para um sistema que nos permitisse o direito de votar em qualquer ponto do território nacional onde estivéssemos. Porém, tal desígnio não é fácil de alcançar, sendo uma revolução nos nossos hábitos actuais, conjugado com outro esforço, nomeadamente dum grande investimento, que muito provavelmente o país não estará à altura de empreender.
Poderia ser um “tiro no pé”, que redundaria num perigo eminente maior que o actual sistema. Bastam já as dificuldades do cartão de cidadão e de alguns bloqueios que apresentou…

Twitter Facebook Favorites More