- Como explica que ainda existam tantos fumadores, quando se conhecem
tão bem os malefícios do tabaco?
Em primeiro lugar existe em todos
nós uma irracionalidade que nos convence que o mal acontece sempre aos outros.
Por isso, apesar de a maioria dos fumadores estar consciente de que o tabaco é
responsável por muitas doenças, acredita que a ele (ela) nada lhe acontecerá.
Por outro lado, sabe que quando
não pode fumar fica ansioso, irritado, inquieto, tem dificuldade em pensar e em
concentrar-se... enfim, sente-se mal e só o cigarro lhe mitiga este mal-estar.
Isso faz com que pense que, se deixar de fumar, vai sentir-se sempre assim,
mal... e isso também lhe tira a vontade de parar de fumar.
- Porque razão os fumadores que já têm alguma doença provocada pelo
tabaco continuam a fumar?
O tabagismo é uma doença, uma
dependência! O fumador tem muita dificuldade em aceitar que tem uma
dependência. Ouvimos frequentemente os fumadores dizer: “Eu acho que não sou
viciado na nicotina”, “eu tenho é vício de boca”, “eu não engulo o fumo”, “eu
fumo por prazer”, “eu fumo para estar entretido, para ter companhia”, entre
outros exemplos. Nestes casos, os fumadores não têm verdadeira consciência de
que têm uma dependência e por isso não se determinam a tratar essa dependência.
- No entanto, há pessoas que deixam de fumar sem qualquer tipo de
tratamento?
Sim, claro! Como também há
pessoas que decidem parar de consumir drogas ou de beber, e param sem qualquer
tratamento ou apoio, “a frio” como dizem. Mas uma percentagem significativa
precisa de apoio para resistir à privação do cigarro, que pode ser muito
difícil de suportar. Os fumadores muitas vezes não procuram ajuda porque lhes
parece que isso é sinal de fraqueza. Na verdade, é ao contrário: quando temos
uma doença o que faz sentido é encontrar o tratamento adequado para essa
doença. No caso do tabagismo, é encontrar o tratamento adequado para lidar com
a síndrome de abstinência tabágica.
- Basta então tomar medicamentos para parar de fumar?
O tratamento pode incluir
fármacos, o que acontece em grande número de casos, mas o mais importante é
aprender a lidar com a vontade de fumar. O tratamento inclui a aprendizagem de
estratégias que ajudam a resistir ao cigarro. Com frequência os fumadores tomam
um medicamento que alguém lhe indicou ou que compraram na farmácia e dizem que
não funcionou. Isto acontece porque o fumador está à espera que o medicamento
lhe tire a necessidade e a lembrança de fumar, como num passe de mágica. Mas
não é assim que funciona. Os medicamentos tiram a necessidade de fumar ao
controlar os sintomas da privação da nicotina, mas a lembrança de fumar
permanece. Eu costumo explicar aos fumadores que precisar do cigarro é
diferente de lembrar-se de fumar: precisar é ficar ansioso, irritado, com
dificuldade de concentração, ter taquicardia ou sensação de mal-estar quando
não se pode fumar, lembrar-se é apenas a associação mental do cigarro a certas
rotinas do fumador. Essa lembrança permanece mesmo depois de parar de fumar e é
frequentemente responsável pela recaída nos ex-fumadores.
- Recaída?
Sim, mesmo depois de parar de
fumar, e mesmo sem sintomas de privação, em muitas ocasiões os ex-fumadores
lembram-se do seu hábito e tendem a pensar que já conseguem controlar a vontade
de fumar. Tentam-se a fumar um cigarro, dois cigarros... e voltam a fumar!
- O que está a dizer não condiz com o apelo que os fumadores fazem para
ter a liberdade de escolher fumar...
Claro que o fumador tem a
liberdade de escolher ser fumador, da mesma forma que qualquer pessoa que tem
uma dependência pode escolher manter essa dependência. É uma escolha limitada,
no entanto, uma vez que enquanto se mantem a fumar o fumador não tem a
liberdade de decidir: hoje não vou fumar, ou só vou fumar um certo número de
cigarros. E mesmo que o façam é sempre com esforço e contra a sua própria
vontade de fumar.
- Muitas vezes quem vive com os fumadores dispõe-se a ajudar o fumador
a parar de fumar, mas sem muito sucesso. Porque é que isso acontece?
A pressão sobre o fumador é
frequentemente contraproducente. De modo geral, o fumador sabe que está a fazer
mal e sabe que não consegue parar. Isso já é difícil de aceitar, e se alguém
está constantemente a reforçar essa ideia é provável que provoque uma reação
verdadeiramente explosiva, principalmente se encontrar o fumador em fase de
abstinência tabágica. O que verdadeiramente ajuda o fumador é uma atitude firme
de não permitir que os não fumadores sejam submetidos à exposição passiva ao
fumo e o reforço positivo de todos os esforços que o fumador faz para deixar de
fumar.
- O que recomenda: parar de fumar bruscamente ou ir reduzindo até
parar?
Os estudos feitos demonstram que
a forma mais eficaz de lidar com qualquer dependência é parar completamente. É
como “desligar” a dependência! Há muitos mitos sobre parar de fumar de repente:
ouve-se muita gente dizer que não se pode fazer, que é muito perigoso, no caso
das grávidas diz-se que faz muito mal ao bebé, mas nada disto é verdade! O que
faz mal é fumar e a paragem abrupta desencadeia apenas a síndrome de
abstinência de que já falei, a qual, se for muito difícil de tolerar, pode ser
tratada. O tratamento dura em média 2 meses; o hábito de fumar, senão for
interrompido, dura a vida toda.
- O que recomenda a um fumador que quer deixar de fumar?
Em primeiro lugar que aceite sem
medo que tem uma dependência que precisa tratar. É por isso que não consegue
deixar de fumar e não por ser fraco ou não ter força de vontade. Depois,
recomendo que escolha um prazo para parar completamente de fumar, um prazo que
deve ser curto. De seguida, deve decidir qual a estratégia que vai utilizar
para parar de fumar. Se sentir que para parar de fumar precisa de ajuda,
recomendo que o faça!
Não se zangue consigo, zangue-se
com o cigarro!
Autoria:
Dr.ª Paula Rosa